O anúncio de que o navio “Salamis Glory” foi vendido para ser demolido em Alang, na Índia, pegou de surpresa os amantes de navios no Brasil. É que este é o antigo “Anna Nery”, o último da série Cisnes Brancos, como eram chamados os quatro navios da antiga empresa Costeira, depois incorporados ao Lloyd Brasileiro. Navios que deixaram recordações para os passageiros de cruzeiros marítimos, em especial da ponte marítima entre Santos e Rio de Janeiro, nos anos dourados.
Mas a vida do “Anna Nery” não foi nada fácil. Logo na viagem inaugural o navio sofreu uma explosão na casa de máquinas no dia 15 de outubro de 1962, quando chegava a Santos. Os reparos foram realizados junto com a decoração interna. Em seguida enfrentaria uma colisão e uma situação incomum: três falências de suas empresas proprietárias.
Mas a vida do “Anna Nery” não foi nada fácil. Logo na viagem inaugural o navio sofreu uma explosão na casa de máquinas no dia 15 de outubro de 1962, quando chegava a Santos. Os reparos foram realizados junto com a decoração interna. Em seguida enfrentaria uma colisão e uma situação incomum: três falências de suas empresas proprietárias.
O “Anna Nery” foi construído nos estaleiros Brodogradiliste Uljanik, de Pula, na Croácia (Iugoslávia na época), e lançado ao mar em setembro de 1962. Logo passou à frota da Costeira, que também havia encomendado o “Rosa da Fonseca” a estaleiros croatas e ainda o “Princesa Leopoldina” e o ”Princesa Isabel”, a estaleiros de Bilbao, na Espanha. Os quatro navios tinham o casco totalmente branco, daí o apelido Cisnes Brancos. Suas características eram semelhantes: o “Anna Nery” tinha 150 metros de comprimento, 20 de largura e 10.444 toneladas brutas.
Em 1963, quando retornava de uma viagem a Haifa, Israel, o “Anna Nery” foi abalroado pelo petroleiro brasileiro Presidente Deodoro. Sofreu danos consideráveis e teve que ficar por meses em reparos no Rio e na Dinamarca.
O “Princesa” e o “Anna Nery” navegaram com a cruz de malta na chaminé, marca da Costeira, até 1968, quando, por problemas financeiros, a Costeira se fundiu à frota da empresa estatal Lloyd Brasileiro. O “Rosa da Fonseca” só foi mais tarde, em 1972.
O “Princesa” e o “Anna Nery” navegaram com a cruz de malta na chaminé, marca da Costeira, até 1968, quando, por problemas financeiros, a Costeira se fundiu à frota da empresa estatal Lloyd Brasileiro. O “Rosa da Fonseca” só foi mais tarde, em 1972.
Ponte Santos-Rio
Sua linha mais conhecida foi a ponte marítima Santos-Rio, principalmente transportando homens de negócios que iam de São Paulo, do interior paulista ou de Santos, à capital federal a trabalho, antes da rapidez e das facilidades da aviação. Mas muitos turistas também usufruíram seu conforto a bordo. O navio levava até 600 passageiros.
Em 1968 o Lloyd Brasileiro também passou a ter problemas financeiros e os navios de passageiros, com a inevitável concorrência com os aviões, tiveram que ser vendidos. Nessa época o “Anna Nery” alternou viagens costeiras até Manaus, além dos serviços na ponte Santos-Rio.
O “Anna Nery” foi o último dos Cisnes a ser vendido, em 1978, à armadora grega Kavounides Shipping Co. (K Lines) e recebeu o nome “Danaos” por um curto período, de um ano e meio. Depois, virou “Constellation”. Mas a K Lines não resistiu à fraca movimentação de passageiros no Mediterrâneo e entrou em falência em 1987. Seu único navio então, o “Constellation”, foi absorvido pelo banco grego que gerenciava suas duplicatas, o Helénica Bank.
Em 1968 o Lloyd Brasileiro também passou a ter problemas financeiros e os navios de passageiros, com a inevitável concorrência com os aviões, tiveram que ser vendidos. Nessa época o “Anna Nery” alternou viagens costeiras até Manaus, além dos serviços na ponte Santos-Rio.
O “Anna Nery” foi o último dos Cisnes a ser vendido, em 1978, à armadora grega Kavounides Shipping Co. (K Lines) e recebeu o nome “Danaos” por um curto período, de um ano e meio. Depois, virou “Constellation”. Mas a K Lines não resistiu à fraca movimentação de passageiros no Mediterrâneo e entrou em falência em 1987. Seu único navio então, o “Constellation”, foi absorvido pelo banco grego que gerenciava suas duplicatas, o Helénica Bank.
O “Constellation” ficou inativo por quatro anos. Em 1992 o banco vendeu o navio para a armadora grega A. Lelakis, que mudou de nome para “Morning Star”, e passou à rota do Pacífico, ao lado do navio “Royal Pacific”. Com o afundamento do “Royal”, o “Morning Star” foi incorporado ao ramo norte-americano da empresa, a Regency Cruises, que o rebatizou como “Regent Spirit”, sob registro das Bahamas.
O navio foi totalmente remodelado. O mastro principal da proa foi retirado e os camarotes foram remanejados. A partir de 1993 foi utilizado em cruzeiros ao Peru, Guatemala, Belize e Cancun. Fez ainda viagens à Europa, com escalas em Nice, na França. Numa delas, em 27 de outubro de 1995, foi apreendido após a notícia de que a Regency tinha ido à falência. Todos os seus seis navios, com a bandeira das Bahamas foram apreendidos.
O navio foi totalmente remodelado. O mastro principal da proa foi retirado e os camarotes foram remanejados. A partir de 1993 foi utilizado em cruzeiros ao Peru, Guatemala, Belize e Cancun. Fez ainda viagens à Europa, com escalas em Nice, na França. Numa delas, em 27 de outubro de 1995, foi apreendido após a notícia de que a Regency tinha ido à falência. Todos os seus seis navios, com a bandeira das Bahamas foram apreendidos.
Levado a leilão
O “Regent Spirit” foi levado a leilão internacional, ainda em 1995, com o preço de 7 milhões de dólares. Não houve comprador. O preço desceu à metade e assim foi negociado com a armadora Línea Salamina, de Chipre. Conhecida como Salamis Lines, a empresa o rebatizou como “Salamis Glory”.
Novas alterações esperavam o navio. A remodelação atingiu principalmente as cabinas, que passaram a ser 222, sendo 211 externas, todas climatizadas e com banheiros. Os camarotes foram alojados nos decks Saturno, Diana, Minerva, Vênus e Olympus. A área pública ficava no deck Atlantis, onde havia um salão para shows; na popa estava o Casino Royale e o famoso Bar Otello. Havia ainda o Café Lido, com vista para a piscina. No deck Mars estava a danceteria Galaxies. A parte mais alta era o deck Urano.
A partir de 1997 o “Salamis Glory” iniciou seu calendário de cruzeiros saindo de Limassol e passando pelos portos de Haifa e Port-Said, abrangendo Chipre, Israel e Egito. Em um destes cruzeiros, em agosto de 2007, o navio colidiu com um cargueiro em Haifa, causando a morte de dois tripulantes.
O navio fazia também cruzeiros de sete dias pelas ilhas gregas. Em um destes, em anúncio da operadora Cruise Cyprus, ainda em exibição pela internet, uma suíte externa era oferecida a 1.075 euros, por pessoa. Pouco restava do original, além de seu casco de linhas clássicas.
No dia 24 de novembro de 2009 ele deixou definitivamente o porto de Limassol - foi vendido por 530 mil euros (cerca de R$ 1 milhão 351 mil) para um estaleiro de Alang, na Índia, onde será demolido.
Chega ao fim, portanto, o último Cisne Branco, após 47 anos de serviços prestados ao divertimento nos mares.
Novas alterações esperavam o navio. A remodelação atingiu principalmente as cabinas, que passaram a ser 222, sendo 211 externas, todas climatizadas e com banheiros. Os camarotes foram alojados nos decks Saturno, Diana, Minerva, Vênus e Olympus. A área pública ficava no deck Atlantis, onde havia um salão para shows; na popa estava o Casino Royale e o famoso Bar Otello. Havia ainda o Café Lido, com vista para a piscina. No deck Mars estava a danceteria Galaxies. A parte mais alta era o deck Urano.
A partir de 1997 o “Salamis Glory” iniciou seu calendário de cruzeiros saindo de Limassol e passando pelos portos de Haifa e Port-Said, abrangendo Chipre, Israel e Egito. Em um destes cruzeiros, em agosto de 2007, o navio colidiu com um cargueiro em Haifa, causando a morte de dois tripulantes.
O navio fazia também cruzeiros de sete dias pelas ilhas gregas. Em um destes, em anúncio da operadora Cruise Cyprus, ainda em exibição pela internet, uma suíte externa era oferecida a 1.075 euros, por pessoa. Pouco restava do original, além de seu casco de linhas clássicas.
No dia 24 de novembro de 2009 ele deixou definitivamente o porto de Limassol - foi vendido por 530 mil euros (cerca de R$ 1 milhão 351 mil) para um estaleiro de Alang, na Índia, onde será demolido.
Chega ao fim, portanto, o último Cisne Branco, após 47 anos de serviços prestados ao divertimento nos mares.
Nome homenageava enfermeira heroína
O nome do navio, Anna Nery, era uma homenagem da companhia Costeira a Anna Justina Ferreira Nery, enfermeira baiana que se tornou heroína da Guerra do Paraguai. Ao irromper a Guerra do Paraguai, em 1864, ela seguiu para a frente de batalha com os filhos, como voluntária e na condição de enfermeira. Salvou a vida de muitos, mas voltou da guerra sem um dos filhos. Em 1923 seu nome batizou a primeira escola oficial brasileira de enfermagem de alto padrão. Morreu no Rio de Janeiro em 20 de maio de 1880, aos 66 anos. No dia 2 de dezembro desse ano a lei 12.105 inscreveu Anna Nery no Livro dos Heróis da Pátria. A próxima homenagem acontecerá em maio de 2010, com a inauguração do Museu Nacional de Enfermagem Anna Nery, no Centro Histórico de Salvador.
Tristeza e protesto entre os "shiplovers"
Com o fim do “Anna Nery” encerra-se também a possibilidade, que já era remota, de um dos antigos Cisnes Brancos retornarem ao Brasil como navios de passageiros, ou, em último caso, de ficarem atracados como atração turística.
O despachante aduaneiro santista Laire José Giraud, grande colecionador de cartões-postais de navios antigos, lembra com saudade do “Anna Nery”: “O navio possuía uma linha agradável de ser vista, bonito demais, além de confortável e aconchegante, o serviço de bordo era esmerado. Sua tripulação era cativante, a cozinha era da maior qualidade, e havia muita animação. Todos que viajaram e vivenciaram sua época só tecem os maiores elogios. Na verdade, não ficava devendo nada aos transatlânticos de outras nacionalidades”.
Laire não viajou no “Anna Nery‘, apenas o visitou em uma das escalas em Santos. Mas viajou em outros dois Cisnes Brancos, o “Princesa Isabel” e o “Princesa Leopoldina”. Ele enfatiza: “O meu depoimento é de protesto. Por que razão certas situações não dão certo no Brasil , como é o caso desses últimos transatlânticos da marinha mercante nacional, que em menos de uma década foram vendidos para outros países. Nas nossas mãos, não deram certo economicamente, mas com outras armadoras eles foram sucesso absoluto, tanto em linha regular como na atividade de cruzeiro marítimo. E nós os vendemos a preço de sucata.”
Ele questiona: “Será que, um dia, vamos ter um transatlântico brasileiro, com tripulação brasileira, participando das nossas alegres temporadas de cruzeiros, para que fiquemos com um pouco desse lucro proporcionado por esse ramo do turismo que mais tem crescido nos últimos anos?”. Sobre o “Anna Nery”, ele diz: “Prefiro recordar do “Anna Nery” lá pelos anos de 1960/70, deslizando elegantemente com toda sua alvura pela Ponta da Praia, mais precisamente sentado a uma das mesas do inesquecível Restaurante Vasco da Gama, do que imaginá-lo sendo demolido no infame estaleiro sucateiro de Alang, na Índia...”
Outro shiplover e colecionador de postais e fotos de navios, Edson Lucas, que mora no Rio de Janeiro, comenta: “Foi um dia triste para um apreciador da marinha mercante brasileira como eu. Se houvesse uma consciência do que representou este e muitos outros navios, com certeza algum órgão oficial ou empresário trataria de preservá-lo como fizeram os alemães com o Cap San Diego”. O navio foi transformado em museu, em Hamburgo.
Wanderley Duck, comandante aviador que mora em Curaçao, nas Antilhas Holandesas, Caribe, escreve com tristeza sobre o fim do “Anna Nery”. Ele diz: “Esse navio fez parte da minha vida por dois motivos. O primeiro é que cheguei a viajar nele com os meus pais. Eu era moleque e me diverti à beça nele. O segundo é que ele fez parte dos meus sonhos de ser oficial da Mercante. A Mercante não era para mim, mas quando sonhava com ela, sonhava também em ser tripulante dele, ou de algum dos seus irmãos do Lloyd, que eram os navios de passageiros que o Brasil tinha naquele tempo. No fim acabei indo para a “aviação mercante” mesmo... Levei passageiro para todo canto do mundo, mas sem todo encanto do mundo, que era o que a gente encontrava nos navios daquela época”. Imagens (©) Copyright Jornal da Orla e cartões postais extraídos do site Simplon Post Cards./Texto (©) Copyright Jornal da Orla, Santos.
O despachante aduaneiro santista Laire José Giraud, grande colecionador de cartões-postais de navios antigos, lembra com saudade do “Anna Nery”: “O navio possuía uma linha agradável de ser vista, bonito demais, além de confortável e aconchegante, o serviço de bordo era esmerado. Sua tripulação era cativante, a cozinha era da maior qualidade, e havia muita animação. Todos que viajaram e vivenciaram sua época só tecem os maiores elogios. Na verdade, não ficava devendo nada aos transatlânticos de outras nacionalidades”.
Laire não viajou no “Anna Nery‘, apenas o visitou em uma das escalas em Santos. Mas viajou em outros dois Cisnes Brancos, o “Princesa Isabel” e o “Princesa Leopoldina”. Ele enfatiza: “O meu depoimento é de protesto. Por que razão certas situações não dão certo no Brasil , como é o caso desses últimos transatlânticos da marinha mercante nacional, que em menos de uma década foram vendidos para outros países. Nas nossas mãos, não deram certo economicamente, mas com outras armadoras eles foram sucesso absoluto, tanto em linha regular como na atividade de cruzeiro marítimo. E nós os vendemos a preço de sucata.”
Ele questiona: “Será que, um dia, vamos ter um transatlântico brasileiro, com tripulação brasileira, participando das nossas alegres temporadas de cruzeiros, para que fiquemos com um pouco desse lucro proporcionado por esse ramo do turismo que mais tem crescido nos últimos anos?”. Sobre o “Anna Nery”, ele diz: “Prefiro recordar do “Anna Nery” lá pelos anos de 1960/70, deslizando elegantemente com toda sua alvura pela Ponta da Praia, mais precisamente sentado a uma das mesas do inesquecível Restaurante Vasco da Gama, do que imaginá-lo sendo demolido no infame estaleiro sucateiro de Alang, na Índia...”
Outro shiplover e colecionador de postais e fotos de navios, Edson Lucas, que mora no Rio de Janeiro, comenta: “Foi um dia triste para um apreciador da marinha mercante brasileira como eu. Se houvesse uma consciência do que representou este e muitos outros navios, com certeza algum órgão oficial ou empresário trataria de preservá-lo como fizeram os alemães com o Cap San Diego”. O navio foi transformado em museu, em Hamburgo.
Wanderley Duck, comandante aviador que mora em Curaçao, nas Antilhas Holandesas, Caribe, escreve com tristeza sobre o fim do “Anna Nery”. Ele diz: “Esse navio fez parte da minha vida por dois motivos. O primeiro é que cheguei a viajar nele com os meus pais. Eu era moleque e me diverti à beça nele. O segundo é que ele fez parte dos meus sonhos de ser oficial da Mercante. A Mercante não era para mim, mas quando sonhava com ela, sonhava também em ser tripulante dele, ou de algum dos seus irmãos do Lloyd, que eram os navios de passageiros que o Brasil tinha naquele tempo. No fim acabei indo para a “aviação mercante” mesmo... Levei passageiro para todo canto do mundo, mas sem todo encanto do mundo, que era o que a gente encontrava nos navios daquela época”. Imagens (©) Copyright Jornal da Orla e cartões postais extraídos do site Simplon Post Cards./Texto (©) Copyright Jornal da Orla, Santos.
Sem comentários:
Enviar um comentário