sábado, 18 de junho de 2011

Creoula em Leixões

O "Creoula" atracou em Leixões e tem saída prevista para amanhã 10h00 horas. Missão EMAM/m@rbis 2011 no Creoula: Lisboa-Leixões-Funchal-Desertas-Funchal-Porto Santo-Funchal-Ponta Delgada-Formigas-Ponta Delgada-Lisboa. Conheçam um pouco da história deste fantástico navio através desta valiosa colaboração do amigo José Antônio Terroso Modesto, direto do Porto de Leixões



O "Creoula" é um lugre de quatro mastros. Construído no início de 1937 nos estaleiros da CUF para a Parceria Geral das Pescarias, o navio foi lançado à água no dia 10 de Maio e efectuou ainda nesse ano a sua primeira campanha de pesca. Um número a reter é o facto de o navio ter sido construído no tempo recorde de 62 dias úteis.






As obras-vivas a vante, com particular destaque para a roda da proa, teveram construção reforçada uma vez que o navio iria navegar nos mares gelados da Terra Nova e Groelândia.



Até à sua última campanha em 1973, o navio possuía mastaréus, retrancas e caranguejas em madeira. O gurupés, conhecido como "pau da bujarrona", que também era em madeira, deixou de existir em 1959, passando o navio a dispor apenas de duas velas de proa: giba e polaca. As velas que agora são em dacron, material sintético mais leve e mais resistente, eram na altura feitas de lona de algodão, possuindo o navio duas andainas de pano, que eram manufacturadas pelos próprios marinheiros de bordo. Cada andaina era composta por: giba, bujarrona, polaca, traquete, contra-traquete, grande e mezena, mais três estênsulas como gavetopes de entremastros, e um pendão redondo de içar no mastro do traquete. Além Além deste pano havia dois triângulos de tempo para envergar no mastro da mezena. O pano latino era feito com lona de algodão nº 2, o velacho (redondo) com lona de algodão nº 4 e as extênsulas com algodão nº 7, o mais resistente. As tralhas das velas eram em cabo de manila. Quanto ao aparelho fixo, esse sempre foi em aço, mas o de laborar era outrora em sizal.








O espaço que medeia hoje entre a zona da cobertura de vante (coberta das praças) e a casa da máquina, era na época o porão do peixe e em cujos duplos fundos se fazia a aguada do navio. O navio estava assim dividido em três grandes secções por duas anteparas estanques que delimitavam, a vante e a ré, o porão do peixe. A vante do porão ficavam os alojamentos dos pescadores, o paiol de mantimentos e as câmaras frigoríficas para o isco; a ré, os alojamentos dos oficiais, a casa da máquina, os tanques do combustível, o paiol do pano e aprestos de pesca. tinha ainda nos delgados de vante e de ré vários piques utilizados como reserva de aguada, armazenamento de óleo de fígado, carvão de pedra para o fogão e óleos lubrificantes.







Todo o interior do navio era revestido a madeira de boa qualidade e o porão calafetado para evitar o contacto da moura com o ferro. O mastro de vante (traquete) servia de chaminé à caldeira e ao fogão de carvão, fogão este que se encontra hoje no museu marítimo de Ílhavo.
O seu casco, pintado de branco, permitia uma melhor percepção no nevoeiro, facilitando assim uma melhor orientação dos pescadores a bordo dos dóris. Numa viagem de pesca normal , o Creoula navegava com 54 pescadores, 10 moços de convés, 2 cozinheiros, 3 oficiais de máquinas, 2 oficiais de ponte e capitão. Nos 54 pescadores estavam incluídos 9 marinheiros e um contramestre que acumulavam as suas funções com as da pesca.






O facto de este navio ser gémeo do Argus e do Santa Maria Manuela permitia a permuta de sobressalentes durante a campanha.



O navio largava de Lisboa em fins de Março após a benção e seguia para os Bancos da Terra Nova, Nova Escócia e St.Pierre et Miquelon onde pescava, se as condições o permitissem, até fins de Maio. Dirigia-se então à Nova Escócia (North Sidney) ou à Terra Nova (St.John's), onde reabastecia de isco fresco, mantimentos, combustível e aguada, seguindo para a Gronelândia, onde chegava em meados de Junho, recomeçando a pesca no estreito de Davis (costa oeste) da Gronelândia, até aos 68º de latitude Norte. Se não terminasse o carregamento até principios de Setembro, data tradicionalmente estabelecida como limite para a pesca com dóris nestas paragens, regressava aos Bancos da Terra Nova, onde voltaria a tentar a sua sorte até meados de Outubro. Regressava então a Portugal, onde tinha a sua base nas instalações dos armadores na Azinheira Velha(no Rio Coina, Barreiro).






Durante o Inverno o navio arriava mastaréus, sendo revisto todo o seu aparelho fixo e de laborar, bem como as duas andainas de pano. Neste período era igualmente beneficiado o seu casco.



Num ano de boa pesca o Creoula podia carregar 12.800 quintais de peixe verde (salgado), o que equivale a cerca de 800 toneladas, bem como cerca de 60 toneladas de óleo de fígado de bacalhau, que vinha armazenado no pique tanque de proa.





O "Creoula" efectuou 37 campanhas atá 1973 e chegou a pescar 600 quintais de bacalhau num só dia, o que corresponde a cerca de 36 toneladas e dá uma média de 660 kg por cada pescador.






O navio navegava normalmente a motor e à vela, pois era este o sistema que lhe proporcionava melhor velocidade e qualidades de manobra. Em mau tempo fazia boa capa utilizando o triângulo de tempo e a vela grande, se necessário rizada. Em boas condições de tempo alcançava facilmente os 12/13 nós de velocidade, cumprindo a distância da Terra Nova a Lisboa em cerca de 9/10 dias.
Na década de 70 o "Creoula" ainda partia para o Atlântico Norte de velas içadas. Merecem aqui destaque os tripulantes desta derradeira frota de veleiros, os últimos verdadeiros marinheiros de navegação oceânica à vela.


Em 1979 o "Creoula" foi adquirido à Parceria Geral de Pescarias pela Secretaria de Estado das Pescas, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura, com a finalidade de nele ser instalado um museu de pesca.


Na primeira docagem levada a efeito, verificou-se que o seu casco se encontrava em óptimas condições, tendo então sido deliberado que o navio se manteria a navegar e seria transformado em navio de treino de mar para apoio na formação de pescadores e possibilitar a vivência de jovens com o mar. Para tal, a zona de meio-navio, onde ficava o porão de peixe, foi redimensionada e aproveitada para as cobertas de 60 instruendos, camarotes e câmara de sargentos, refeitório das praças e instruendos, casa-de-banho e estação tratadora de esgotos. Foi ampliada a enfermaria e a capacidade de aguada, alterado o lastro e substituída a madeira por aço nos mastros. Em 1992 o navio sofreu algumas alterações na zona de meio-navio, de que se destaca o aproveitamento duma das cobertas de 9 instruendos em benefício de um espaço que funciona como biblioteca e sala de aulas.


Em 1 de Junho de 1987 e de acordo com um despacho, o "Creoula" foi formalmente entregue ao Ministério da Defesa Nacional, passando a ser designado como Unidade Auxiliar de Marinha (UAM 201) e classificado como "Navio de Treino de Mar (N.T.M.)".


Todos os anos, habitualmente desde a Páscoa até finais de outubro, o "Creoula" realiza cruzeiros destinados a futuros profissionais do mar - alunos da Escola Náutica Infante D. Henrique, da Escola das Marinhas de Comércio e Pescas e dos Centros de Formação das Pescas - e a jovens entre os 14 e os 25 anos de idade, desejosos de participar activamente no dia-a-dia a bordo de um grande veleiro e na sua condução em alto mar. As viagens têm uma duração e trajecto variáveis, podendo ocupar desde um simples fim-de-semana a alguns dias navegando ao longo da costa de portugal, integrar regatas internacionais ou realizar cruzeiros oceânicos com mais de um mês de duração.


Durante o embarque, os instruendos, enquadrados pela guarnição do navio ( que é propositadamente reduzida), desempenham todas as tarefas da vida de bordo, desde as de auxiliar directo do oficial de Quarto a navegar... até às inevitáveis limpezas diárias e aos trabalhos de copa e cozinha.


Texto e imagens com direitos reservados: José Antonio Terroso Modesto com direitos do autor

Sem comentários: