O "Creoula" atracou em Leixões e tem saída prevista para amanhã 10h00 horas.
Conheçam um pouco da história deste fantástico navio através desta valiosa colaboração do amigo José Antônio Terroso Modesto, direto do Porto de LeixõesO "Creoula" é um lugre de quatro mastros. Construído no início de 1937 nos estaleiros da CUF para a Parceria Geral das Pescarias, o navio foi lançado à água no dia 10 de Maio e efectuou ainda nesse ano a sua primeira campanha de pesca. Um número a reter é o facto de o navio ter sido construído no tempo recorde de 62 dias úteis.
As obras-vivas a vante, com particular destaque para a roda da proa, teveram construção reforçada uma vez que o navio iria navegar nos mares gelados da Terra Nova e Groelândia.
Até à sua última campanha em 1973, o navio possuía mastaréus, retrancas e caranguejas em madeira. O gurupés, conhecido como "pau da bujarrona", que também era em madeira, deixou de existir em 1959, passando o navio a dispor apenas de duas velas de proa: giba e polaca. As velas que agora são em dacron, material sintético mais leve e mais resistente, eram na altura feitas de lona de algodão, possuindo o navio duas andainas de pano, que eram manufacturadas pelos próprios marinheiros de bordo. Cada andaina era composta por: giba, bujarrona, polaca, traquete, contra-traquete, grande e mezena, mais três estênsulas como gavetopes de entremastros, e um pendão redondo de içar no mastro do traquete. Além Além deste pano havia dois triângulos de tempo para envergar no mastro da mezena. O pano latino era feito com lona de algodão nº 2, o velacho (redondo) com lona de algodão nº 4 e as extênsulas com algodão nº 7, o mais resistente. As tralhas das velas eram em cabo de manila. Quanto ao aparelho fixo, esse sempre foi em aço, mas o de laborar era outrora em sizal.
O espaço que medeia hoje entre a zona da cobertura de vante (coberta das praças) e a casa da máquina, era na época o porão do peixe e em cujos duplos fundos se fazia a aguada do navio. O navio estava assim dividido em três grandes secções por duas anteparas estanques que delimitavam, a vante e a ré, o porão do peixe. A vante do porão ficavam os alojamentos dos pescadores, o paiol de mantimentos e as câmaras frigoríficas para o isco; a ré, os alojamentos dos oficiais, a casa da máquina, os tanques do combustível, o paiol do pano e aprestos de pesca. tinha ainda nos delgados de vante e de ré vários piques utilizados como reserva de aguada, armazenamento de óleo de fígado, carvão de pedra para o fogão e óleos lubrificantes.
Todo o interior do navio era revestido a madeira de boa qualidade e o porão calafetado para evitar o contacto da moura com o ferro. O mastro de vante (traquete) servia de chaminé à caldeira e ao fogão de carvão, fogão este que se encontra hoje no museu marítimo de Ílhavo.
O seu casco, pintado de branco, permitia uma melhor percepção no nevoeiro, facilitando assim uma melhor orientação dos pescadores a bordo dos dóris. Numa viagem de pesca normal , o Creoula navegava com 54 pescadores, 10 moços de convés, 2 cozinheiros, 3 oficiais de máquinas, 2 oficiais de ponte e capitão. Nos 54 pescadores estavam incluídos 9 marinheiros e um contramestre que acumulavam as suas funções com as da pesca.O facto de este navio ser gémeo do Argus e do Santa Maria Manuela permitia a permuta de sobressalentes durante a campanha.
O navio largava de Lisboa em fins de Março após a benção e seguia para os Bancos da Terra Nova, Nova Escócia e St.Pierre et Miquelon onde pescava, se as condições o permitissem, até fins de Maio. Dirigia-se então à Nova Escócia (North Sidney) ou à Terra Nova (St.John's), onde reabastecia de isco fresco, mantimentos, combustível e aguada, seguindo para a Gronelândia, onde chegava em meados de Junho, recomeçando a pesca no estreito de Davis (costa oeste) da Gronelândia, até aos 68º de latitude Norte. Se não terminasse o carregamento até principios de Setembro, data tradicionalmente estabelecida como limite para a pesca com dóris nestas paragens, regressava aos Bancos da Terra Nova, onde voltaria a tentar a sua sorte até meados de Outubro. Regressava então a Portugal, onde tinha a sua base nas instalações dos armadores na Azinheira Velha(no Rio Coina, Barreiro).
Durante o Inverno o navio arriava mastaréus, sendo revisto todo o seu aparelho fixo e de laborar, bem como as duas andainas de pano. Neste período era igualmente beneficiado o seu casco.
Num ano de boa pesca o Creoula podia carregar 12.800 quintais de peixe verde (salgado), o que equivale a cerca de 800 toneladas, bem como cerca de 60 toneladas de óleo de fígado de bacalhau, que vinha armazenado no pique tanque de proa.
O "Creoula" efectuou 37 campanhas atá 1973 e chegou a pescar 600 quintais de bacalhau num só dia, o que corresponde a cerca de 36 toneladas e dá uma média de 660 kg por cada pescador.
O navio navegava normalmente a motor e à vela, pois era este o sistema que lhe proporcionava melhor velocidade e qualidades de manobra. Em mau tempo fazia boa capa utilizando o triângulo de tempo e a vela grande, se necessário rizada. Em boas condições de tempo alcançava facilmente os 12/13 nós de velocidade, cumprindo a distância da Terra Nova a Lisboa em cerca de 9/10 dias.
Na década de 70 o "Creoula" ainda partia para o Atlântico Norte de velas içadas. Merecem aqui destaque os tripulantes desta derradeira frota de veleiros, os últimos verdadeiros marinheiros de navegação oceânica à vela.
Na década de 70 o "Creoula" ainda partia para o Atlântico Norte de velas içadas. Merecem aqui destaque os tripulantes desta derradeira frota de veleiros, os últimos verdadeiros marinheiros de navegação oceânica à vela.
Em 1979 o "Creoula" foi adquirido à Parceria Geral de Pescarias pela Secretaria de Estado das Pescas, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura, com a finalidade de nele ser instalado um museu de pesca.
Na primeira docagem levada a efeito, verificou-se que o seu casco se encontrava em óptimas condições, tendo então sido deliberado que o navio se manteria a navegar e seria transformado em navio de treino de mar para apoio na formação de pescadores e possibilitar a vivência de jovens com o mar. Para tal, a zona de meio-navio, onde ficava o porão de peixe, foi redimensionada e aproveitada para as cobertas de 60 instruendos, camarotes e câmara de sargentos, refeitório das praças e instruendos, casa-de-banho e estação tratadora de esgotos. Foi ampliada a enfermaria e a capacidade de aguada, alterado o lastro e substituída a madeira por aço nos mastros. Em 1992 o navio sofreu algumas alterações na zona de meio-navio, de que se destaca o aproveitamento duma das cobertas de 9 instruendos em benefício de um espaço que funciona como biblioteca e sala de aulas.
Em 1 de Junho de 1987 e de acordo com um despacho, o "Creoula" foi formalmente entregue ao Ministério da Defesa Nacional, passando a ser designado como Unidade Auxiliar de Marinha (UAM 201) e classificado como "Navio de Treino de Mar (N.T.M.)".
Todos os anos, habitualmente desde a Páscoa até finais de outubro, o "Creoula" realiza cruzeiros destinados a futuros profissionais do mar - alunos da Escola Náutica Infante D. Henrique, da Escola das Marinhas de Comércio e Pescas e dos Centros de Formação das Pescas - e a jovens entre os 14 e os 25 anos de idade, desejosos de participar activamente no dia-a-dia a bordo de um grande veleiro e na sua condução em alto mar. As viagens têm uma duração e trajecto variáveis, podendo ocupar desde um simples fim-de-semana a alguns dias navegando ao longo da costa de portugal, integrar regatas internacionais ou realizar cruzeiros oceânicos com mais de um mês de duração.
Durante o embarque, os instruendos, enquadrados pela guarnição do navio ( que é propositadamente reduzida), desempenham todas as tarefas da vida de bordo, desde as de auxiliar directo do oficial de Quarto a navegar... até às inevitáveis limpezas diárias e aos trabalhos de copa e cozinha.
Texto e imagens com direitos reservados: José Antonio Terroso Modesto com direitos do autor
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